Por Cláudia Rodrigues em 30/10/2007
A mídia cobriu mal, muito mal, a Lei da senadora Patrícia Saboya (PDT-CE) que aumenta de 120 para 180 dias o período da licença maternidade. Como é típico no viés mercantil, os repórteres correram para os números, para as grandes empresas, as trabalhadoras da classe média, as funcionárias públicas. Meu Deus, que problemão para as empresas resolverem – este foi o tópico. E as pequenas empresas, oh céus, como uma trabalhadora de classe média vai fazer para dar seis meses de licença para sua empregada doméstica?
Para aliviar a dor do mercado sendo vítima de uma bazuca empunhada por um bebê de seis meses, surge o antídoto: nenhuma empresa é obrigada a dar os seis meses de licença, o que nos leva a crer que vem enrolação por aí no sistema privado, guerra de foice entre as que têm filhos e as que não os têm. Ah, que bom, há barganhas a fazer.
O principal não interessou, a mídia nem tocou no assunto; as necessidades fisiológicas, corticais e emocionais dos bebês. Nenhuma matéria, nenhuma alusão ao pouco significado desses dois meses a mais para amamentar e proporcionar ao bebê algo que ele precisaria por pelo menos um ano, e não apenas por seis meses: a mãe bem perto a maior parte do tempo.
Invencionices industriais
A licença maternidade foi ampliada porque era um absurdo o Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde recomendarem amamentação exclusiva no peito por seis meses enquanto a mulher brasileira deveria voltar no final do quarto mês do bebê para a labuta diária de oito horas, fora o tempo que leva para ir e vir de casa para o trabalho. Ok, temos agora seis meses para ficar com nossos bebês, dependendo da boa vontade dos empresários. É pouco, muito pouco, se levarmos em consideração a verdade única de que, ao término do prazo de seis meses para amamentação exclusiva, chega o momento em que o bebê deve ser apresentado a outros alimentos, além de continuar recebendo o leite materno.
A entrada das frutas, legumes, cereais e proteínas deve ser feita devagar, a introdução de leite não humano só deveria ocorrer após os dois anos e sendo assim o bebê precisa continuar mamando, supostamente na mãe, fonte única de leite humano. Bebês não são robôs, a entrada de outros alimentos não começa com um cardápio completo; é lenta, pode ser complicada e a introdução precoce de leite não humano pode prejudicar o trato digestivo dos bebês e provocar patologias cada vez mais comuns nos consultórios pediátricos, como alergias a proteínas animais, por exemplo. E tome soy milk e todo tipo de invencionice industrial para ajeitar a falta de leite humano e convívio.
Timidez e voracidade do mercado
Do ponto de vista afetivo, é complicadíssima a separação precoce por longas horas diárias tanto para mães como para bebês, mas é óbvio que, sendo a mãe uma pessoa adulta, ela dá conta de se superar e voltar ao trabalho. Não é tão simples para o bebê. Aos seis meses, ele está aprendendo a separar a mãe da sua própria figura e é exatamente aos seis meses que ele vive a primeira crise de diferenciação – começa a entender que ele e a mãe são pessoas diferentes, pois até aí "julgava" que a mãe era ele e ele era a mãe. Margareth Mahler, em O Nascimento Psicológico do Bebê, explica bem essa fase e as subseqüentes. O vínculo entre mãe e bebê é estabelecido nos dois primeiros anos de vida e a amamentação é fundamental para que o bebê processe a separação lentamente, de acordo com seus limites corticais, que não são poucos.
Distúrbios afetivos precoces são cada vez mais comuns. Crianças bipolares, deprimidas, estressadas, com dificuldades de concentração e de lidar com a frustração, hiperativas e dissociadas proliferam nas creches, escolinhas e consultórios. Os estudiosos de comportamento infantil afirmam que a construção bem feita do vínculo nos primeiros dois anos de vida pode ser um fator determinante para prevenir transtornos afetivos futuros. Nada disso apareceu na cobertura que a mídia fez do aumentinho da licença maternidade, não obrigatório, de 120 para 180 dias de licença maternidade. Andamos devagar, bem devagarinho, porque o interesse e o foco da notícia é meramente empresarial, mercantil, não humanista. Serve perfeitamente bem à sociedade blasé e especialmente às mulheres – as que podem, e deveriam, as mais "estudadas", refletir sobre os direitos dos bebês que colocam no mundo. Não o fazem porque são mães meramente culturais, mães danoninho, mais preocupadas em ter direito à cesariana eletiva, ao último leite recém-lançado pela Nestlé.
Não devemos esperar – ainda que fosse ótimo – que empregadas domésticas levantem a bandeira da condição feminina de aleitar os filhos, mas é uma ilusão maior achar que as formadoras de opinião, as bem nascidas, bem abonadas, podem fazê-lo.
A Lei é digna, mas chega atrasada e tímida enfrentando, de ladinho, a voracidade do mercado.
2 comentários on "Razões de aumento da licença maternidade não são explicadas"
Muito bom....a mídia, como sempre faz questão de atacar os valores...Querem que as mulheres deixem os filhos nas escolas (diga-se de passagem, esquerdistas) e que daqui a 10 anos essas crianças sejam máquinas esquerdistas!
Li o texto todo, é ótimo quem pode gozar 6 mesas de licença maternidade,mas acho que quem não pode não é menos mãe por isso. Acho que a mída e a sociedade em geral faz muita pressão e terminamos nos sentindo culpadas. Escrevi até isso no meu blog, que tive que deixar Davi no berçário, mas não tive escolha, preciso de dinheiro, meus pais me pressionam o tempo todo para eu trablhar, pois bem agora estou trabalhando e a saída foi ter deixado Davi na creche. Não sei se isso afetará o meu bebe emocionalmente no futuro, no momento ele não chora quando eu deixo ele lá, então vamos ver....Um beijo pra vc e sua princesinha.
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